Se as apresentações não demorassem, apresentar-me-ia como
Tiago Vitória. Passando esta cordialidade íamos ao que interessa mas isso era
demasiado passageiro para assegurar uma envolvência entre aquilo que eu sou e aquilo
que venho falar. Eu estudo cinema – audiovisual para ser correto – e sempre
tive um gosto especial por falar de filmes. Durante a minha vida académica
entre os ofícios da minha arte, sempre me deparei com diversas situações onde o
meu poder de oratória era posto a prova. Às vezes saía-me bem, outras vezes
saía por onde dava... Mas sempre tive uma certeza, dada pela experiência de
quem já viu muito filme, é sempre possível falar dos filmes que nunca vimos.
“Olha, tu que adoras Ernst Lubitsch, já viste o To Be Or Not To Be”, “Já sim...” – dada
esta suspensão, no “Já sim”, deparamo-nos com várias coisas, entre elas: como é
que ele adivinhou que esse é o único filme do realizador que eu ainda não vi?!;
eu não quero ficar mal e dizer que sou fã de um realizador e não ter visto um
filme, que curiosamente este paspalho viu; ok, vamos é formular uma escapatória
para não ficar mal.
A partir daqui, do “Já sim...”, a pessoa vai querer que
desenvolvamos o tópico, o que nos resta com variadas opções, nenhuma delas
verdadeiras, todas fictícias. Podemos sempre dizer que foi merda e andámos.
Podemos sempre dar uma de intelectual e devolvermos a pergunta com uma
inabalável comparação técnico-artística “Já sim...mas acho que o espelhar da
sociedade estava mais meditado no Ninotchka, talvez por haver uma inesperada
conduta existencial a atravessar a primeira obra.” Podemos ainda ser
preguiçosos e frasear algo muito insípido como “Adorei o ator principal”, “O
argumento é excepcional”, “Aquela parte do meio...inesperada não foi?”. Serão
sempre burros acéfalos se disserem isto mas isso são outros quinhentos...
Por último, acho importante referir que esta nobre arte de
simular perante outrem tem as suas contraindicações. Há duas frases que até
podem colar, mas para quem já está habituado a estas andanças, é morte pela
certa.
“Já vi há muito tempo...”, matem-se! Quem viu há muito tempo
é quem nunca viu, logo o rótulo da mentira está a espera de ser carimbado na
vossa testa grossa.
“ Vi partes...”, agoniem até à morte! Quem viu partes de um
filme é quem nunca viu. Quem viu partes é quem não tem respeito pelo filme,
sendo preferível dizer que nunca ouviu falar de semelhante bolacha no pacote do
realizador. Se alguma vez responderem que viram partes, espero que gostem da
pequena humilhação de passarem por um jogo mortal onde a pergunta “Já viste
esse filme...” vai levar à confissão mais triste que pode haver “Afinal não vi,
estava a confundir.” Se chegaram a este ponto voltem à casa da partida porque
acabaram de perder todo o crédito.
Lembrem-se, mentir é feio. E vocês serão
verdadeiros animais perante a verdade cinematográfica. As vossas vulvas vão
retrair de vergonha e os vossos pénis vão murchar de tamanho endrominanço. No entanto vocês não se
importam, porque mesmo que não tivessem lido este texto, já sabiam que sempre
vos foi possível falarem de coisas que não conhecem. Ai malandros....