sábado, 6 de outubro de 2012

Como falar dos filmes que não vimos

Convidado: Tiago Vitória


Se as apresentações não demorassem, apresentar-me-ia como Tiago Vitória. Passando esta cordialidade íamos ao que interessa mas isso era demasiado passageiro para assegurar uma envolvência entre aquilo que eu sou e aquilo que venho falar. Eu estudo cinema – audiovisual para ser correto – e sempre tive um gosto especial por falar de filmes. Durante a minha vida académica entre os ofícios da minha arte, sempre me deparei com diversas situações onde o meu poder de oratória era posto a prova. Às vezes saía-me bem, outras vezes saía por onde dava... Mas sempre tive uma certeza, dada pela experiência de quem já viu muito filme, é sempre possível falar dos filmes que nunca vimos.

“Olha, tu que adoras Ernst Lubitsch, já viste o To Be Or Not To Be”, “Já sim...” – dada esta suspensão, no “Já sim”, deparamo-nos com várias coisas, entre elas: como é que ele adivinhou que esse é o único filme do realizador que eu ainda não vi?!; eu não quero ficar mal e dizer que sou fã de um realizador e não ter visto um filme, que curiosamente este paspalho viu; ok, vamos é formular uma escapatória para não ficar mal.
A partir daqui, do “Já sim...”, a pessoa vai querer que desenvolvamos o tópico, o que nos resta com variadas opções, nenhuma delas verdadeiras, todas fictícias. Podemos sempre dizer que foi merda e andámos. Podemos sempre dar uma de intelectual e devolvermos a pergunta com uma inabalável comparação técnico-artística “Já sim...mas acho que o espelhar da sociedade estava mais meditado no Ninotchka, talvez por haver uma inesperada conduta existencial a atravessar a primeira obra.” Podemos ainda ser preguiçosos e frasear algo muito insípido como “Adorei o ator principal”, “O argumento é excepcional”, “Aquela parte do meio...inesperada não foi?”. Serão sempre burros acéfalos se disserem isto mas isso são outros quinhentos...


Por último, acho importante referir que esta nobre arte de simular perante outrem tem as suas contraindicações. Há duas frases que até podem colar, mas para quem já está habituado a estas andanças, é morte pela certa. 

“Já vi há muito tempo...”, matem-se! Quem viu há muito tempo é quem nunca viu, logo o rótulo da mentira está a espera de ser carimbado na vossa testa grossa.

“ Vi partes...”, agoniem até à morte! Quem viu partes de um filme é quem nunca viu. Quem viu partes é quem não tem respeito pelo filme, sendo preferível dizer que nunca ouviu falar de semelhante bolacha no pacote do realizador. Se alguma vez responderem que viram partes, espero que gostem da pequena humilhação de passarem por um jogo mortal onde a pergunta “Já viste esse filme...” vai levar à confissão mais triste que pode haver “Afinal não vi, estava a confundir.” Se chegaram a este ponto voltem à casa da partida porque acabaram de perder todo o crédito.

Lembrem-se, mentir é feio. E vocês serão verdadeiros animais perante a verdade cinematográfica. As vossas vulvas vão retrair de vergonha e os vossos pénis vão murchar de tamanho endrominanço. No entanto vocês não se importam, porque mesmo que não tivessem lido este texto, já sabiam que sempre vos foi possível falarem de coisas que não conhecem. Ai malandros....

Sem comentários:

Enviar um comentário