Convidado: Inês Brito
Por si só o termo
“regresso às aulas” faz-me comichão em sítios estranhos. Não que desgoste da
ideia, mas mais porque depois de dezasseis regressos uma pessoa já sabe o que
lhe espera, e inevitavelmente não fica muito feliz com as resmas de trabalhos, leituras,
exercícios e exames que estão para vir. Já para não falar desse flagelo da
sociedade atual que são os anúncios de tv dos hipermercados, com músicas
fantásticas e putos irritantes que cantam, sempre com um ar munta fixe.
Quando entrei na
faculdade não sabia bem o queria, ou melhor, não queria admitir sem dar luta
que iria definir o meu destino da forma que defini. Atirei-me a um poço muito
pequenino cheio de feras impiedosas e fui afunilando de tal forma que acabei
por bater no fundo e, finalmente, admitir que o meu futuro seria desenhado
nesse obscuro e tenebroso mundo que é o ensino de línguas. Pensar que a minha
vida vai estar eternamente repleta de regressos às aulas não é muito animador,
ainda para mais sabendo que vou ser uma das principais responsáveis por esse
momento crítico e obrigatório (até aos 18 anos, atenção, depois já podem ir
carregar baldes de massa para onde lhes apetecer) que não deixa dormir (ui,
claro!) tantas jovens cabecinhas.
Com cada regresso
repete-se muita coisa: as incessantes compras de inicio de ano que apesar de serem
“de inicio de ano” todos sabemos que não se ficam por ali , o reencontro com os
colegas, outros que temos que conhecer, e o reencontro que me começa a provocar
mais medo - encarar os novos professores. Eu sei o que acontece do lado de lá,
porque já lá vão muitos regressos e porque, e, confessemos, todos nós sabemos
que a primeira coisa que uma criaturinha com a cabeça em formação faz quando
chega às aulas é tecer os mais variados juízos sobre os professores. Agora
imaginem-se na minha pele, como futura professora de 3º ciclo e secundário o
pânico que eu vou ter em pôr o pézinho na sala pela primeira vez, ano após ano,
diante de quase 30 cabecinhas críticas em construção, prontas a atirar-me com
pedras mentais e a enfiar-me na caixa do “gorda”, “chata”, “irritante”, “feia”,
ou até quem sabe “oh pá, parecia esquisita ao inicio e não gosto quando manda
tpc mas até é fixe”. Como se não bastasse, vou ser a “stora de Português”, que
quer se queira, quer não, tem a triste e desmotivadora tarefa de pôr os
miuditos a estudar uma coisa que eles sabem desde que se lembram! “Vem para
aqui esta chata desta gaja agora ensinar-me a falar. Eu já falo desde
pequenino! E para quê que eu quero saber dos Lusíadas e do Pessoa e esses gajos
todos mortos? Não me vai servir de nada para a vida!”. Sim, porque o Português
é aquela disciplina que não serve para nada, só para chatear e obrigar a ler,
que a maioria não acha muita piada e é uma perda de tempo.
Apesar de tudo isto,
gosto de pensar positivamente e achar que comigo as coisas não vão correr
assim, que vão ser menos assustadoras, que cada regresso às aulas vai
significar um ano de aprendizagem e que vou inspirar e mudar a vida dos meus
adorados alunos. E que na pior das hipóteses só me irão mandar a sítios feios
baixinho quando começar a ler o “Auto da Barca do Inferno” ou então furar os
pneus do carro quando lhes der negativa num teste. Há que afastar maus
pensamentos e não sofrer por antecipação. Nunca se sabe se connosco as coisas
vão resultar de forma diferente, não é?
(Pssst, ainda vou a tempo
de desistir?)
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