sábado, 22 de setembro de 2012

Regresso às aulas


Convidado: Inês Brito

Por si só o termo “regresso às aulas” faz-me comichão em sítios estranhos. Não que desgoste da ideia, mas mais porque depois de dezasseis regressos uma pessoa já sabe o que lhe espera, e inevitavelmente não fica muito feliz com as resmas de trabalhos, leituras, exercícios e exames que estão para vir. Já para não falar desse flagelo da sociedade atual que são os anúncios de tv dos hipermercados, com músicas fantásticas e putos irritantes que cantam, sempre com um ar munta fixe.


Quando entrei na faculdade não sabia bem o queria, ou melhor, não queria admitir sem dar luta que iria definir o meu destino da forma que defini. Atirei-me a um poço muito pequenino cheio de feras impiedosas e fui afunilando de tal forma que acabei por bater no fundo e, finalmente, admitir que o meu futuro seria desenhado nesse obscuro e tenebroso mundo que é o ensino de línguas. Pensar que a minha vida vai estar eternamente repleta de regressos às aulas não é muito animador, ainda para mais sabendo que vou ser uma das principais responsáveis por esse momento crítico e obrigatório (até aos 18 anos, atenção, depois já podem ir carregar baldes de massa para onde lhes apetecer) que não deixa dormir (ui, claro!) tantas jovens cabecinhas.
Com cada regresso repete-se muita coisa: as incessantes compras de inicio de ano que apesar de serem “de inicio de ano” todos sabemos que não se ficam por ali , o reencontro com os colegas, outros que temos que conhecer, e o reencontro que me começa a provocar mais medo - encarar os novos professores. Eu sei o que acontece do lado de lá, porque já lá vão muitos regressos e porque, e, confessemos, todos nós sabemos que a primeira coisa que uma criaturinha com a cabeça em formação faz quando chega às aulas é tecer os mais variados juízos sobre os professores. Agora imaginem-se na minha pele, como futura professora de 3º ciclo e secundário o pânico que eu vou ter em pôr o pézinho na sala pela primeira vez, ano após ano, diante de quase 30 cabecinhas críticas em construção, prontas a atirar-me com pedras mentais e a enfiar-me na caixa do “gorda”, “chata”, “irritante”, “feia”, ou até quem sabe “oh pá, parecia esquisita ao inicio e não gosto quando manda tpc mas até é fixe”. Como se não bastasse, vou ser a “stora de Português”, que quer se queira, quer não, tem a triste e desmotivadora tarefa de pôr os miuditos a estudar uma coisa que eles sabem desde que se lembram! “Vem para aqui esta chata desta gaja agora ensinar-me a falar. Eu já falo desde pequenino! E para quê que eu quero saber dos Lusíadas e do Pessoa e esses gajos todos mortos? Não me vai servir de nada para a vida!”. Sim, porque o Português é aquela disciplina que não serve para nada, só para chatear e obrigar a ler, que a maioria não acha muita piada e é uma perda de tempo.
Apesar de tudo isto, gosto de pensar positivamente e achar que comigo as coisas não vão correr assim, que vão ser menos assustadoras, que cada regresso às aulas vai significar um ano de aprendizagem e que vou inspirar e mudar a vida dos meus adorados alunos. E que na pior das hipóteses só me irão mandar a sítios feios baixinho quando começar a ler o “Auto da Barca do Inferno” ou então furar os pneus do carro quando lhes der negativa num teste. Há que afastar maus pensamentos e não sofrer por antecipação. Nunca se sabe se connosco as coisas vão resultar de forma diferente, não é?
(Pssst, ainda vou a tempo de desistir?)

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